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Foto do escritorAle Tatauga

Doença Descompressiva no Mergulho

A Doença Descompressiva (DD) é uma condição que ocorre quando gases dissolvidos, especialmente nitrogênio, formam bolhas nos tecidos ou na corrente sanguínea durante a subida após um mergulho. Isso acontece devido à rápida redução da pressão ambiente, o que impede que o gás armazenado nos tecidos seja eliminado de maneira eficiente.



Tatauga: Capa artigo doença descompressiva
Mecanismo Fisiológico da Doença Descompressiva

Embora a doença descompressiva (DD) seja estudada desde o século XVII, as teorias que explicam seus mecanismos ainda apresentam lacunas. A seguir, explicaremos de maneira simplificada e com base no conhecimento amplamente aceito pela comunidade científica e mergulhadora, como essa condição se manifesta durante a prática do mergulho.



Composição do Ar e seu Papel no Corpo

Para que posamos falar sobre a doença descompressiva é essencial que tenhamos conhecimento sobre o gás que respiramos em nossas imersões de mergulho, e tendo como base que o ar é utilizado para a grande maioria dessa ativiade, vamos fazer uma breve caracterização sobre essa mistura gasosa. O ar atmosférico é uma mistura composta principalmente por 78% de nitrogênio, 21% de oxigênio e 1% de outros gases, como argônio e dióxido de carbono. O oxigênio é essencial para os processos metabólicos, sendo utilizado pelas células para produzir energia. Já o nitrogênio, apesar de ser o principal componente do ar, não participa das reações metabólicas e é considerado inerte nas condições normais do ambiente. Ele se dissolve nos tecidos do corpo, mas sem causar efeitos fisiológicos relevantes em condições normais.


Como o Nitrogênio se Comporta durante o Mergulho

Ao mergulhar, a pressão da água aumenta conforme o mergulhador desce, o que exige a respiração de ar comprimido ou outras misturas gasosas para permitir a expansão dos pulmões. A maior pressão em profundidade faz com que o corpo absorva uma quantidade maior de nitrogênio. A quantidade de gás absorvido depende da profundidade e da duração do mergulho. Esse processo continua até que o corpo atinja um novo equilíbrio com o ar respirado. Em alguns casos, podem ser necessárias várias horas ou até dias para que os tecidos fiquem completamente saturados com o nitrogênio.

Ao iniciar a subida, a situação se inverte: a pressão ambiente diminui, assim como a pressão do ar respirado. Esse alívio de pressão cria um desequilíbrio, onde o nitrogênio dissolvido nos tecidos passa a estar em maior pressão do que o ar nos pulmões. Nessa fase, o nitrogênio começa a ser eliminado dos tecidos e expelido pela respiração.


Riscos da Formação de Bolhas no Corpo

Se a quantidade de nitrogênio acumulada for muito alta ou se a subida acontecer de forma rápida, o gás pode não ser eliminado com eficiência. Nesses casos, o nitrogênio pode formar bolhas nos tecidos e na corrente sanguínea, devido às diferenças de gradiente de pressão e solubilidade. Essas bolhas são responsáveis pelos sintomas e complicações da doença descompressiva.


A Analogia com o Refrigerante Gaseificado

Esse processo é comparável ao que ocorre ao abrir uma garrafa de refrigerante gaseificado. Enquanto a garrafa permanece fechada, o líquido em seu interior contém gás dissolvido, e uma camada gasosa na parte superior está sob pressão maior que o ambiente. Ao abrir a garrafa, ocorre uma rápida queda na  pressão, reduzindo a solubilidade do gás no líquido. Isso faz com que o gás retorne à forma de bolhas visíveis. Algo semelhante pode acontecer no corpo humano se a subida for rápida demais durante um mergulho.



Compartimentos, Meias-Vidas, Saturação e Supersaturação


Compartimentos e Perfusão de Tecidos

O corpo humano é composto por diversos tipos de tecidos, cada um com diferentes níveis de perfusão (fluxo sanguíneo) e, portanto, com diferentes capacidades para absorver e liberar gases inertes, como o nitrogênio. Devido à complexidade do organismo, calcular a absorção exata de gás por cada tecido seria extremamente difícil. Para lidar com essa questão, o fisiologista John Haldane propôs agrupar partes do corpo com comportamentos semelhantes de absorção de gases em compartimentos. Cada compartimento representa um conjunto teórico de tecidos que absorvem e liberam gases à mesma taxa.

É importante destacar que o termo "compartimento" não se refere a uma estrutura anatômica específica, como músculos ou ossos. Em vez disso, representa uma categoria funcional que engloba diferentes tecidos com características semelhantes em termos de perfusão e absorção de gases. Assim, dentro de um músculo, por exemplo, diferentes componentes, como fibras musculares, tendões e ligamentos, podem pertencer a compartimentos distintos.

Diversos modelos de descompressão utilizam diferentes números de compartimentos. O modelo original de Haldane incluía cinco compartimentos com meias-vidas de 5, 10, 20, 40 e 75 minutos. Modelos posteriores propuseram alterações em sua formulação inicial, incluindo a adição e modificação do número de compartimentos, aprimorando assim a precisão dos cálculos de descompressão.


Tempos de Meia-Vida

O tempo de meia-vida é um conceito fundamental para entender o comportamento dos gases nos compartimentos. Ele se refere ao tempo necessário para que um compartimento alcance metade da saturação total em relação ao gás que está sendo absorvido, ou, no processo inverso, libere metade do gás acumulado durante a descompressão.

Por exemplo, um compartimento com meia-vida de 5 minutos atinge 50% de sua saturação nesse período. Em mais 5 minutos, ele alcança 75%, e assim por diante, aproximando-se cada vez mais da saturação completa. Abaixo está uma progressão típica de saturação:


Matematicamente, um compartimento nunca alcança 100% de saturação, pois sempre há uma pequena fração restante a ser completada. No entanto, para fins práticos, após 6 tempos de meia-vida (98,44% de saturação), considera-se que o compartimento está efetivamente saturado.

Cada compartimento tem um ritmo diferente de saturação e dessaturação. Os compartimentos mais rápidos atingem a saturação e eliminam o gás rapidamente, enquanto os compartimentos mais lentos demoram mais tempo para se saturar, mas também liberam o gás de forma gradual durante a subida.


Saturação e Supersaturação

A saturação ocorre quando a quantidade de gás dissolvido em um compartimento atinge o equilíbrio com a pressão parcial do gás respirado. Durante um mergulho prolongado, especialmente em profundidade, é comum que alguns tecidos mais rápidos atinjam a saturação completa, e, em mergulhos ainda mais longos, até mesmo os compartimentos mais lentos podem se saturar.

Ao iniciar a subida, a pressão ambiente e a pressão do gás inspirado diminuem. Com isso, a tensão do gás dentro dos tecidos pode se tornar maior do que a pressão do gás nos pulmões. Esse estado, em que a pressão interna do gás nos tecidos é maior do que a pressão externa e a pressão do ar inspirado, é conhecido como supersaturação.


Supersaturação Crítica

A supersaturação crítica acontece quando o gradiente de pressão entre os tecidos e o ambiente se torna tão grande que o gás não consegue ser eliminado de forma segura e eficaz. Nessa condição, a formação de bolhas é mais provável, aumentando o risco de doença descompressiva. Para evitar que isso aconteça, os mergulhadores seguem procedimentos de descompressão controlada, realizando paradas em profundidades específicas para permitir que o gás seja liberado gradualmente e evitar a formação de bolhas.



Doença Descompressiva: Causas, Tipos e Fatores de Risco

Compreendida a absorção e eliminação de gases inertes pelo organismo, podemos abordar os efeitos da rápida redução de pressão após a exposição a altas pressões. A doença descompressiva ocorre quando gases como o nitrogênio, dissolvidos nos tecidos durante a imersão, não são eliminados de forma adequada na subida, formando bolhas que afetam diversas partes do corpo. Mesmo mergulhos conservadores envolvem algum risco, e seu entendimento tem evoluído ao longo dos anos por meio de pesquisas e estudos, muitas vezes baseados em tentativa e erro.


Classificação da Doença Descompressiva (DCS):

Historicamente, a doença descompressiva foi classificada em até quatro tipos para diferenciar as manifestações clínicas:

  1. DCS Tipo I: Afeta o sistema musculoesquelético e a pele.

  2. DCS Tipo II: Apresenta sintomas neurológicos, respiratórios e do ouvido interno.

  3. DCS Tipo III: Combina sintomas de DCS com embolia arterial gasosa arterial (AGE).

  4. DCS Tipo IV: Refere-se à osteonecrose disbárica, uma condição de morte celular óssea, normalmente associada a trabalhadores em ambientes hiperbáricos causada por exposição repetida a mudanças de pressão​.

Nesse artigo utilizarei a escolha por adotar uma classificação mais simples, em dois tipos, que se justifica pela necessidade de clareza e eficiência no contexto do mergulho e das respostas apresentadas nos casos de suspeita dessa condição. Embora classificações históricas dividissem a DCS em até quatro tipos (incluindo as categorias Tipo III e Tipo IV), essa abordagem se mostrou menos prática para uso no contexto do mergulho recreativo e técnico. Estudos mais recentes e publicações científicas têm preferido utilizar apenas as categorias Tipo I e Tipo II, concentrando-se nos sintomas mais comuns e relevantes.

A simplificação facilita a compreensão tanto por mergulhadores quanto por profissionais da área, eliminando a complexidade excessiva e possibilitando uma resposta rápida e eficaz aos sintomas. Além disso, como o termo, Mal Descompressivo (DCI) já unifica a doença descompressiva e a embolia arterial gasosa (AGE) devido à semelhança dos sintomas e tratamentos.

Os tratamentos para todos os tipos de DCS e AGE, como a administração de oxigênio e recompressão, são essencialmente os mesmos. Essa abordagem também reflete o alinhamento com práticas modernas e protocolos clínicos, que priorizam ações imediatas e não diagnósticos extensos. O uso dos tipos I e II como referência é mais eficiente no treinamento de mergulhadores e facilita a comunicação em situações de emergência, contribuindo para a segurança e prevenção de complicações graves​.

Dessa forma mantemos a classificação simplificada conforme abaixo:

  • DCS Tipo I – Também chamada de "bends", refere-se principalmente a dores nas articulações e na pele. A dor ocorre em articulações maiores, como ombros e cotovelos, e pode ser descrita como uma dor profunda e constante. Lesões na pele podem incluir coceira e irritação temporária ou, em casos mais graves, pele marmorizada (cutis marmorata), que pode indicar um quadro mais sério.

  • DCS Tipo II – Envolve sintomas neurológicos, respiratórios e cardiovasculares. Bolhas formadas no sistema nervoso podem afetar membros e causar dormência, formigamento ou até paralisia. No sistema respiratório, bolhas no pulmão podem causar sintomas conhecidos como “chokes”, incluindo falta de ar e tosse seca.


Fatores Predisponentes

Alguns fatores aumentam o risco de doença descompressiva. Entre eles:


  • Desidratação: A falta de hidratação adequada pode diminuir a eficiência da circulação sanguínea, prejudicando a eliminação dos gases.

  • Obesidade: O nitrogênio é mais solúvel em tecido adiposo do que em tecido muscular, esse fator pode aumentar a probabilidade de desenvolvimento de DD.

  • Perfil de Mergulho Inadequado: Perfis irregulares de mergulho, como mergulhos “yo-yo” (com várias subidas e descidas) ou perfis em “serra”, aumentam o risco de formação e crescimento de bolhas.

  • Exercício Físico: Exercícios intensos durante ou logo após o mergulho podem promover a formação  e crescimento de bolhas.

  • Fadiga, Estresse e Falta de Sono: A fadiga, o estresse crônico e noites mal dormidas afetam o sistema cardiovascular e reduzem a eficiência da circulação sanguínea, prejudicando a eliminação do nitrogênio acumulado. Mergulhadores submetidos a esforço excessivo, várias imersões consecutivas ou estresse constante têm maior risco de DD, pois esses fatores limitam a capacidade de recuperação e adaptação do organismo durante e após o mergulho.

  • Idade e Condições Médicas: Mergulhadores mais velhos ou com problemas de saúde preexistentes têm maior risco de DD, dessa forma se faz necessário a realização de checkups regulares e a comunicação com o médico sobre as atividades de mergulho.

  • Temperatura Corporal: Mudanças bruscas de temperatura afetam a circulação e a eficiência da eliminação dos gases. Em águas frias, a vasoconstrição reduz o fluxo sanguíneo para as extremidades, dificultando a eliminação do gás inerte.

  • Fumo: O hábito de fumar prejudica o sistema respiratório, essencial para a descompressão eficiente. O fumo a longo prazo pode causar doença pulmonar obstrutiva crônica e enfisema, ambos aumentando o risco de barotrauma e embolia gasosa. Além disso, a nicotina causa vasoconstrição, reduzindo a circulação e aumentando o risco de DD. O monóxido de carbono presente na fumaça do cigarro diminui a capacidade dos glóbulos vermelhos de transportar oxigênio, comprometendo ainda mais a recuperação após o mergulho.


Tratamento e Primeiros Socorros

De forma simplificado e no que cabe a nós mergulhadores, O tratamento da doença descompressiva geralmente envolve:

  • Oxigênio Puro: A administração de 100% de oxigênio ajuda a eliminar o nitrogênio dos tecidos e promove a recuperação.

  • Recompressão em Câmara Hiperbárica: Esse é o tratamento padrão para casos graves, onde o mergulhador é submetido a uma pressão maior para reduzir o tamanho das bolhas. Durante o tratamento, o paciente inala oxigênio puro em altas concentrações, o que acelera a eliminação de gases inertes, melhora a oxigenação dos tecidos e facilita a recuperação completa. Esse procedimento deve ser iniciado o mais rapidamente possível, pois qualquer atraso na recompressão diminui as chances de sucesso. Esse tipo de tratamento deverá ser indicado pelo médico.

  • Hidratação: A reposição de líquidos é essencial para restabelecer a circulação adequada e melhorar a eficiência da descompressão.


Limitações da Recompressão na Água

Embora algumas situações remotas possam sugerir a recompressão na água (IWR), essa prática é altamente desaconselhada por várias razões:


  1. Risco de Hipotermia: Manter um mergulhador por horas na água fria pode agravar sua condição, reduzindo a eficiência da eliminação de gases.

  2. Limitação de Oxigênio e Suprimentos: recompressão requer oxigênio puro e uma logística complexa para fornecer suprimentos constantes. Sem uma preparação adequada, o risco de toxicidade por oxigênio é alto.

  3. Perigo de Toxicidade por Oxigênio: Embora a exposição a oxigênio em câmaras hiperbáricas seja controlada, o corpo tolera menos essa exposição em condições submersas, aumentando o risco de crises convulsivas (toxicidade do sistema nervoso central). Um episódio desses na água pode ser fatal.

  4. Monitoramento Inadequado: Avaliações neurológicas e reidratação intravenosa não podem ser realizadas na água. A comunicação entre a vítima, mergulhadores de apoio e a equipe de superfície também é limitada, dificultando o controle da situação.

  5. Condições Ambientais Adversas: Correntes marítimas, falta de visibilidade e dificuldades de ancoragem tornam o processo arriscado e imprevisível.


Dada a complexidade e os riscos, as principais organizações de mergulho e medicina hiperbárica, como a DAN, recomendam enfaticamente não realizar recompressão na água. A prioridade deve ser transferir a vítima para uma câmara hiperbárica assim que possível.


Conclusão

A Doença Descompressiva é uma condição que embora seja muito estudada ainda apresenta algumas lacunas no seu perfeito entendimento e exige comportamento conservador e a prevenção cuidadosa para garantir a segurança dos mergulhadores. A adoção de protocolos claros, estabelecidos por agências de mergulho, reforça a segurança nas operações subaquáticas, promovendo boas práticas e procedimentos padronizados. Para reduzir o risco de DD, é essencial que cada mergulhador realize imersões de forma conservadora, sempre respeitando seus limites e permanecendo dentro da sua zona de conforto. Além disso, investir em treinamento contínuo e adquirir conhecimento técnico são passos fundamentais para realizar mergulhos com segurança e confiança.

Na Tatauga Dive, estamos comprometidos em manter nossos profissionais atualizados com os procedimentos mais modernos e seguros do mergulho. Adoramos conversar sobre as mergulho, sobre as maravilhas do fundo do mar e estamos sempre à disposição para trocar ideias e orientar mergulhadores. Oferecemos uma ampla variedade de cursos, desde os níveis iniciais até os mais avançados e técnicos, e teremos o prazer de ajudá-lo a explorar o mundo subaquático de forma segura e divertida.

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